segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Wiedomys pyrrhorhinus - Fazenda Lages - Juazeiro-BA. Utilizando ninho de pica-pau (Colaptes melanochloros) como abrigo.






As espécies de Wiedomys são arborícolas e



terrestres. Habitam matas semi-decíduas da Caatinga e
do Cerrado. Constroem ninhos com folhas, paina, cerdas ou capim
em árvores ou arbustos. 
No caso deste exemplar, encontrava-se utilizando um ninho de pica-pau-verde-barrado (Colaptes melanochloros) como abrigo.
Uma fêmea prenha támbem foi
observada em um ninho abandonado em um cansanção,
planta protegida por espinhos cobertos por compostos
irritantes para o homem, e possivelmente para outros
animais (STREILEN, 1982c). Podem também utilizar
como ninhos buracos em árvores, touceiras de
macambira, cercas de pedra, cupinzeiros ocupados por
periquitos e ninhos de pássaros abandonados; em um
cupinzeiro foram observados oito adultos e 13 filhotes
de idade variada, sugerindo nidificação em forma social
(MOOJEN, 1943). O tamanho da ninhada varia de um
a seis filhotes, geralmente cinco, e fêmeas lactantes
podem adotar outros filhotes, inclusive de outros gêneros
como de Calomys e Bolomys.
Fonte: "Mamiferos do Brasil", livro editado por Nelio R. dos Reis Adriano L. Peracchi Wagner A. Pedro Isaac P. de Lima.

domingo, 11 de setembro de 2011

Riqueza oculta no sertão (parte V)

Da Caatinga para o Chaco

Entre os mamíferos. O número total de espécies que vivem na Caatinga saltou de 80 para 143 e o de endêmicas, de três para pelo menos 20, como resultado dos levantamentos coordenados por João Oliveira, da UFRJ. Sabia-se que só na Caatinga vive o mocó ( Kerodon rupestris ), um ratão de até 40 centímetros; o rato-bico-de-lacre ( Wiedomys pyrrhorhinos ), de 10 a 13 centímetros, sem contar a longa cauda, que serve de apoio na hora de escalar as árvores; e o tatu-bola ( Tolypeutes tricinctus ), o menor tatu brasileiro, de 22 a 27 centímetros, que enrola o corpo e fica parecido com uma bola quando se sente ameaçado. A lista dos endêmicos agora inclui o morcego insetívoro Micronycteris sanborni, o marsupial Thylamys karimii, de dorso cinza claro e ventre creme, e um macaco sauá ( Callicebus barbarabrownae ), descrito com base em material coletado no início do século passado e encontrado recentemente no interior da Bahia. Mesmo assim, segundo Oliveira, o endemismo de mamíferos da Caatinga ainda é pelo menos três vezes menor que o da Mata Atlântica ou da Amazônia, em vista da própria extensão de cada ecossistema.
"A Caatinga é o ecossistema menos protegido do Brasil, já que as unidades de conservação de proteção integral cobrem menos de 2% de seu território", diz Tabarelli, que defende a criação de novas unidades de conservação. O estudo das botânicas Isabel Cristina Machado e Ariadna Valentina Lopes, da UFPE, acentua a necessidade de preservação, ao revelar uma riqueza inesperada de processos especializados de polinização: das 147 espécies de ervas, árvores e arbustos estudados, 30% são polinizadas apenas por abelhas, 15% por beija-flores e 13% por morcegos.
"Essas descobertas ajudam a desfazer o mito de que a Caatinga é pobre em espécies e fenômenos exclusivos", comenta a pesquisadora. Foi por terra também, por falta de evidências, a antiga idéia de que a vegetação nativa do semi-árido brasileiro seria um prolongamento do Chaco argentino. Agora se suspeita do inverso: algumas espécies de plantas, a exemplo do quebracho ( Aspidosperma quebracho ), uma árvore de até 30 metros, podem ter feito a rota oposta. Foi uma lenta migração, realizada ao longo de milhares de anos, à medida que o clima mudava e água da chuva, o vento e as formigas, com a discrição habitual, conduziam suas sementes de um canto a outro. 
     Fonte: Revista Fapesp nº 93 - Novembro de 2003

sábado, 10 de setembro de 2011

Riqueza oculta no sertão (parte IV)

Contrastes

A Caatinga não é uma só: existem ao menos seis tipos de composições vegetais distintas - das mais abertas e baixas, com árvores de 1 metro de altura, até a fechada, com árvores de 20 metros -, descritas pelo botânico argentino Darién Prado, da Universidade Nacional do Rosário. Por esse mosaico de paisagens se misturam 932 espécies de plantas, das quais um terço só existe por lá - são endêmicas.
Sobre a terra seca e vermelha, encoberta por um céu sempre azul, predomina o tom branco-acinzentado dos troncos das árvores e arbustos desfolhados, típicos do período da seca - as folhas tornam a crescer com as primeiras chuvas. Nos anos de seca severa, a quantidade de chuva pode diminuir em até 95%, segundo o meteorologista José Oribe Rocha Aragão, da UFPE.A vegetação começa a mudar ao pé das serras do Ceará, da Paraíba e de Pernambuco. Lá no alto, acima de 600 metros de altitude, parece outro mundo: verdadeiras ilhas de floresta verde, densa e úmida, com árvores de até 30 metros de altura. Estamos agora nos brejos de altitude, que cobrem, por exemplo, a serra de Maranguape, próximo a Fortaleza, a 30 quilômetros do Atlântico, ou o planalto de Ibiapaba, já na divisa com o Piauí.
Durante a seca, os brejos nutrem outro de grupo de animais que exibem uma diversidade surpreendente: as aves. Vivem na Caatinga 510 espécies, quase um terço do total encontrado no país e quase o dobro do levantamento feito em 1965 pelo ornitólogo alemão Helmut Sick. "Os brejos asseguram a continuidade de processos ecológicos regionais, como as migrações", diz Cardoso da Silva. "Algumas espécies que durante a estação chuvosa vivem na Caatinga retornam para essas áreas úmidas durante os longos períodos de estiagem." A ararinha-azul ( Cyanopsitta spixii ), por exemplo, costumava deixar a região de Curaçá, na Bahia, e voar quilômetros até os brejos para se alimentar quando já não frutificavam o pinhão ( Jatropha mollissima ), a faveleira ou a baraúna ( Schinopsis brasiliensis ). Hoje, as ararinhas-azuis vivem apenas em zoológicos e criadouros - há apenas 60 exemplares pelo mundo - e a espécie é considerada extinta na natureza: o último exemplar de vida livre foi visto em outubro de 2000.
Pela importância ecológica, os brejos de altitude estão entre 82 áreas prioritárias para a conservação da Caatinga, assim como as dunas do São Francisco, outro espaço igualmente rico em espécies exclusivas, entre as cidades de Barra e Sobradinho, na Bahia. As dunas de até 60 metros que se erguem às margens do rio São Francisco, o Velho Chico, o maior rio perene da região, concentram cerca de um terço das espécies do semi-árido, entre elas 16 espécies de lagartos, oito de serpentes, quatro de anfisbenas e uma de anfíbio, exemplos de animais exclusivos dali. Anfisbenas são répteis aparentados das serpentes, sem olhos nem escamas visíveis, também chamados de cobras-de-duas-cabeças ou cobras-cegas. Em uma excursão recente, o especialista em répteis Miguel Trefaut Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP), encontrou outra espécie nova das dunas, a Amphisbaena arda , assim chamada por causa do corpo esbranquiçado com manchas pretas. "De todos os lagartos e anfisbenas da Caatinga, 37% são endêmicos das dunas, um pequeno território que não ultrapassa 7 mil quilômetros quadrados, ou 0,8% da área do sertão nordestino", diz Rodrigues.
Não é apenas o alto endemismo que surpreende nas dunas do São Francisco. As margens opostas do rio abrigam lagartos, serpentes e anfisbenas muito semelhantes na aparência, mas de espécies e constituição genética distintas: são as espécies-irmãs, como os lagartos Tropidurus amathites eTropidurus divaricatus . Ambos têm até 30 centímetros de comprimento e o corpo marrom com manchas pretas e amarelas, mas de padrões distintos. Segundo Rodrigues, foi o próprio São Francisco que induziu o surgimento dessas espécies, a partir de um mesmo ancestral. De acordo com a hipótese admitida inicialmente, o rio corria para um lago do interior do Nordeste, não para o mar, até o fim do último período glacial, há 12 mil anos.
Nas margens desse lago viviam populações de animais adaptados aos solos arenosos. "Quando o rio rompeu essas margens, isolou em lados opostos populações de uma mesma espécie, que viviam em hábitats similares", diz o biólogo da USP. Como conseqüência, essas espécies evoluíram em ambientes separados e originaram espécies hoje encontradas apenas na margem direita ou esquerda do rio (vejaPesquisa FAPESP nº 57). O modelo permanece o mesmo, mas os lagartos até então chamados de Tropidurus passaram a ser reconhecidos como um novo gênero ( Eurolophosaurus ) e análises de DNA sugerem que sua origem deve ter sido mais antiga, entre 1 e 3 milhões de anos, e não tão recente como se supunha.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Riqueza oculta no sertão (parte III)

Formigas e árvores
 
Coordenado pelos ecólogos Inara Leal e Marcelo Tabarelli, ambos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e pelo ornitólogo José Maria Cardoso da Silva, professor licenciado da UFPE e vice-presidente da Conservation International (CI) do Brasil, o Ecologia e Conservação da Caatinga contou com apoio financeiro do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), da própria CI, da The Nature Conservancy do Brasil e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Um dos artigos originais, assinado por Inara, trata da dispersão de sementes pelas formigas na Caatinga. Desse processo que permite às sementes germinarem longe da planta-mãe, evitando a competição por nutrientes, participam pelo menos 18 espécies de formigas e se beneficiam 28 espécies de plantas, entre elas 11 da família das euforbiáceas, a mesma da faveleira ( Cnidosculus phyllacanthus ), uma árvore cujo fruto, ao amadurecer, abre-se com um estalo e lança as sementes para longe.

Inara descobriu que as formigas preferem as sementes com um corpo gorduroso, o elaiossomo, que lhes serve de alimento, ao mesmo tempo que facilita o transporte das sementes, algumas carregadas por até 11 metros. Formigas como as saúvas ( Atta ), as quenquens ( Acromyrmex ), as lava-pés ( Solenosis ) e as tocandiras ( Odontomachus e Ectatomma ) também comem a polpa dos frutos de cinco tipos de cactos e três espécies da família das anacardiáceas, a mesma do umbu ( Spondias tuberosa ). Elas retiram toda a polpa dos frutos caídos no chão da mata e deixam as sementes completamente limpas. "Esse comportamento diminui o ataque de fungos e aumenta as taxas de germinação das sementes", diz Inara.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Riqueza oculta no sertão (parte II)

No fundo da lagoa

Como na região mais seca da Caatinga há anos em que chove apenas cerca de 300 milímetros por ano - seis vezes menos que na Mata Atlântica ou na Amazônia -, as plantas e animais adaptaram-se de modo a sobreviver com o mínimo de água, sem por isso perder em beleza ou diversidade. As plantas têm folhas pequenas e cascas grossas, que reduzem a perda de água. Nos exemplos extremos, cactos como o mandacaru ( Cereus jamacaru ) e o xique-xique ( Pilosocereus gounellei ) vivem com folhas reduzidas a espinhos. Entre os peixes, pelo menos 25 das 240 espécies identificadas conseguem adiar o nascimento à espera das chuvas: passam a maior parte do tempo na forma de ovos, que só eclodem quando as águas chegam, em algum momento entre fevereiro e maio. Esses peixes - chamados anuais - têm de 5 a 15 centímetros de comprimento e vivem em lagoas ou poças d'água de até 1 metro de diâmetro, que secam durante a estiagem.Mas há tempo para criar uma nova geração.

Antes de a seca chegar, os machos cortejam as fêmeas e as atraem para o fundo dessas pequenas lagoas, revestidas de lama e areia. Em seguida, dão um mergulho na lama, a fêmea solta os ovos e o macho os fecunda. Durante a estação seca, que pode durar quase um ano, o embrião se desenvolve lentamente dentro do ovo, sem romper a casca. "O embrião permanece em uma espécie de hibernação", explica um dos autores do livro, o biólogo Wilson Moreira da Costa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi nos últimos anos que Costa descobriu amaioria dessas espécies, que os sertanejos chamam de peixes-de-nuvem, por acreditarem que nascem nas nuvens, antes das primeiras chuvas, como se fossem frutos de geração espontânea.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Riqueza oculta no sertão (parte I)

Nos anos 1960, Nelson Pereira dos Santos em Vidas Secas e Glauber Rocha em Deus e o Diabo na Terra do Sol apresentaram o sertão nordestino como um ambiente inóspito, seco e quase sem vida, perseguido por um Sol ofuscante. Agora, o mesmo espaço reaparece em Abril Despedaçado , de Walter Salles, e emBaile Perfumado , de Paulo Caldas e Lírio Ferreira. Coincidentemente, emerge também nos domínios da ciência um novo olhar sobre a Caatinga, único ecossistema inteiramente brasileiro - e o menos estudado. Cenário de intricados processos ecológicos, esse ambiente conhecido como sertão - uma área de 800 mil quilômetros quadrados, correspondente a quase metade dos nove estados do Nordeste - revela-se muito mais rico em espécies exclusivas de plantas e animais, como peixes, lagartos, aves e mamíferos, do que se imaginava. Nas 800 páginas do livro Ecologia e Conservação da Caatinga , lançado este mês, um grupo de 35 especialistas do próprio Nordeste e do Sudeste sintetiza os últimos 200 anos de pesquisas, acrescenta as descobertas mais recentes e desfaze de uma vez por todas a noção de que esse ecossistema, onde vivem 20 milhões de pessoas, é homogêneo e desinteressante.