domingo, 11 de setembro de 2011

Riqueza oculta no sertão (parte V)

Da Caatinga para o Chaco

Entre os mamíferos. O número total de espécies que vivem na Caatinga saltou de 80 para 143 e o de endêmicas, de três para pelo menos 20, como resultado dos levantamentos coordenados por João Oliveira, da UFRJ. Sabia-se que só na Caatinga vive o mocó ( Kerodon rupestris ), um ratão de até 40 centímetros; o rato-bico-de-lacre ( Wiedomys pyrrhorhinos ), de 10 a 13 centímetros, sem contar a longa cauda, que serve de apoio na hora de escalar as árvores; e o tatu-bola ( Tolypeutes tricinctus ), o menor tatu brasileiro, de 22 a 27 centímetros, que enrola o corpo e fica parecido com uma bola quando se sente ameaçado. A lista dos endêmicos agora inclui o morcego insetívoro Micronycteris sanborni, o marsupial Thylamys karimii, de dorso cinza claro e ventre creme, e um macaco sauá ( Callicebus barbarabrownae ), descrito com base em material coletado no início do século passado e encontrado recentemente no interior da Bahia. Mesmo assim, segundo Oliveira, o endemismo de mamíferos da Caatinga ainda é pelo menos três vezes menor que o da Mata Atlântica ou da Amazônia, em vista da própria extensão de cada ecossistema.
"A Caatinga é o ecossistema menos protegido do Brasil, já que as unidades de conservação de proteção integral cobrem menos de 2% de seu território", diz Tabarelli, que defende a criação de novas unidades de conservação. O estudo das botânicas Isabel Cristina Machado e Ariadna Valentina Lopes, da UFPE, acentua a necessidade de preservação, ao revelar uma riqueza inesperada de processos especializados de polinização: das 147 espécies de ervas, árvores e arbustos estudados, 30% são polinizadas apenas por abelhas, 15% por beija-flores e 13% por morcegos.
"Essas descobertas ajudam a desfazer o mito de que a Caatinga é pobre em espécies e fenômenos exclusivos", comenta a pesquisadora. Foi por terra também, por falta de evidências, a antiga idéia de que a vegetação nativa do semi-árido brasileiro seria um prolongamento do Chaco argentino. Agora se suspeita do inverso: algumas espécies de plantas, a exemplo do quebracho ( Aspidosperma quebracho ), uma árvore de até 30 metros, podem ter feito a rota oposta. Foi uma lenta migração, realizada ao longo de milhares de anos, à medida que o clima mudava e água da chuva, o vento e as formigas, com a discrição habitual, conduziam suas sementes de um canto a outro. 
     Fonte: Revista Fapesp nº 93 - Novembro de 2003